Pia Interlandi, a estilista dos mortos
Foto: BBC Brasil |
Mas uma rápida conversa com ela comprova que não se trata apenas de uma estratégia comercial de explorar o mercado da moda no outro mundo.
Em seus desenhos estão intrincadas memórias da perda de parentes e de desconhecidos, assim como conhecimentos adquiridos através de experimentos científicos.
O trabalho incorpora ideias da morte, com seus rituais e transformações, e é resultado de uma profunda reflexão sobre a vida e nossa passagem por ela.
"Minha roupa é para pessoas que estejam pensando no final da vida e naquilo que valorizam", afirma à BBC Mundo.
A estilista explica que para desenhar a sua roupa leva em conta não apenas os que morrem, mas também os que ficam vivos.
"Eles (os vivos) necessitam sentir que a pessoa que morreu está protegida, que é amada, que está coberta, que não está nua", reflete.
Já para os mortos, diz, a roupa representa a segunda pele com a qual se apresentar ao outro mundo.
"Os mortos não precisam da roupa para o mesmo que os vivos - calor, proteção, comodidade. São os vivos que precisam vestir os mortos."
Ciência da morte
Pia diz que, ao escolher uma roupa pensando no momento da morte, seus clientes estão aceitando a inevitabilidade biológica.
Da mesma forma, suas roupas também aceitam o mesmo princípio.
"Minhas peças estão desenhadas para se desfazer e promover a decomposição, em vez da preservação. De certa maneira, apresentam o corpo à terra", diz.
"O corpo está cheio de nutrientes, de água, de proteína. As fibras estão desenhadas para não obrigar os microorganismos a abrir caminho comendo poliéster."
Em Perth, Pia Interlandi estudou em uma instituição de arte biológica, SymbioticA, na qual artistas e cientistas trabalham lado a lado.
O experimento da estilista consistia em vestir porcos sacrificados com materiais de diversos tipos para verificar os diferentes ritmos de decomposição.
A experiência fez com que acabasse optando por trabalhar com cânhamo, uma fibra da marijuana - "que os insetos e microorganismos reconhecem como orgânico e comem rapidamente" -, e seda - "uma proteína que vem de um animal, e que é muito bela, suntuosa e adiciona qualidade aos desenhos".
Em seus experimentos Pia também usou poliéster, para ver se descompunha de alguma maneira. Comprovou que não.
"Com o algodão, se você deixar uma camiseta molhada, cresce o mofo; com a lã, se você deixá-la no armário, a traça come. O mesmo acontece com minhas roupas, mas debaixo da terra", diz.
"O que faço é usar materiais que se descompõem em ritmos diferentes: a seda toma mais tempo. Também ofereço a possibilidade de usar bordados de poliéster para as pessoas que quiserem algo que continue com o esqueleto, como o nome ou um poema."
Relações humanas
O envolvimento da artista com a temática da morte chegou a tal ponto que ela recebeu treinamento para celebrar funerais.
Pia diz que a função lhe permite explorar as relações humanas em um dos momentos mais difíceis da vida, porque o celebrante ajuda na cerimônia e ajuda os que estão de luto a falar da pessoa que morreu.
"Mas o para mim parece importante é o ritual da vestimenta, a aproximação ao corpo", conta. "A maioria das pessoas perde esse momento, porque têm medo do corpo. Pensam que, se virem o cadáver, nunca mais poderão recordar a pessoa como quando estava viva. Isto não é correto."
Para a artista, ver o corpo torna evidente que "o que quer que tenha ido embora - a alma, o espírito, o QI, ou a energia fluindo entre os átomos"
"Em minha experiência com meu avô, foi reconfortante ver que ele já não sentia dor, que o que o mantinha vivo já não estava mais lá, e que tudo o que restava era a carapuça."
"Mas é preciso proteger essa carapuça, porque existe um vínculo sentimental com ela, com a sua aparência."
Para Pia, "vestir um ser amado é um processo imensamente poderoso, e embora não seja para todos, recomendo às famílias que participem". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Creditos: Estadão e BBC Brasil.
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Em seus desenhos estão intrincadas memórias da perda de parentes e de desconhecidos, assim como conhecimentos adquiridos através de experimentos científicos.
O trabalho incorpora ideias da morte, com seus rituais e transformações, e é resultado de uma profunda reflexão sobre a vida e nossa passagem por ela.
"Minha roupa é para pessoas que estejam pensando no final da vida e naquilo que valorizam", afirma à BBC Mundo.
A estilista explica que para desenhar a sua roupa leva em conta não apenas os que morrem, mas também os que ficam vivos.
"Eles (os vivos) necessitam sentir que a pessoa que morreu está protegida, que é amada, que está coberta, que não está nua", reflete.
Já para os mortos, diz, a roupa representa a segunda pele com a qual se apresentar ao outro mundo.
"Os mortos não precisam da roupa para o mesmo que os vivos - calor, proteção, comodidade. São os vivos que precisam vestir os mortos."
Ciência da morte
Pia diz que, ao escolher uma roupa pensando no momento da morte, seus clientes estão aceitando a inevitabilidade biológica.
Da mesma forma, suas roupas também aceitam o mesmo princípio.
"Minhas peças estão desenhadas para se desfazer e promover a decomposição, em vez da preservação. De certa maneira, apresentam o corpo à terra", diz.
"O corpo está cheio de nutrientes, de água, de proteína. As fibras estão desenhadas para não obrigar os microorganismos a abrir caminho comendo poliéster."
Em Perth, Pia Interlandi estudou em uma instituição de arte biológica, SymbioticA, na qual artistas e cientistas trabalham lado a lado.
O experimento da estilista consistia em vestir porcos sacrificados com materiais de diversos tipos para verificar os diferentes ritmos de decomposição.
A experiência fez com que acabasse optando por trabalhar com cânhamo, uma fibra da marijuana - "que os insetos e microorganismos reconhecem como orgânico e comem rapidamente" -, e seda - "uma proteína que vem de um animal, e que é muito bela, suntuosa e adiciona qualidade aos desenhos".
Em seus experimentos Pia também usou poliéster, para ver se descompunha de alguma maneira. Comprovou que não.
"Com o algodão, se você deixar uma camiseta molhada, cresce o mofo; com a lã, se você deixá-la no armário, a traça come. O mesmo acontece com minhas roupas, mas debaixo da terra", diz.
"O que faço é usar materiais que se descompõem em ritmos diferentes: a seda toma mais tempo. Também ofereço a possibilidade de usar bordados de poliéster para as pessoas que quiserem algo que continue com o esqueleto, como o nome ou um poema."
Relações humanas
O envolvimento da artista com a temática da morte chegou a tal ponto que ela recebeu treinamento para celebrar funerais.
Pia diz que a função lhe permite explorar as relações humanas em um dos momentos mais difíceis da vida, porque o celebrante ajuda na cerimônia e ajuda os que estão de luto a falar da pessoa que morreu.
"Mas o para mim parece importante é o ritual da vestimenta, a aproximação ao corpo", conta. "A maioria das pessoas perde esse momento, porque têm medo do corpo. Pensam que, se virem o cadáver, nunca mais poderão recordar a pessoa como quando estava viva. Isto não é correto."
Para a artista, ver o corpo torna evidente que "o que quer que tenha ido embora - a alma, o espírito, o QI, ou a energia fluindo entre os átomos"
"Em minha experiência com meu avô, foi reconfortante ver que ele já não sentia dor, que o que o mantinha vivo já não estava mais lá, e que tudo o que restava era a carapuça."
"Mas é preciso proteger essa carapuça, porque existe um vínculo sentimental com ela, com a sua aparência."
Para Pia, "vestir um ser amado é um processo imensamente poderoso, e embora não seja para todos, recomendo às famílias que participem". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Creditos: Estadão e BBC Brasil.
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Publicado por: Adriano de Sousa
às 4:12 PM.
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